domingo, 16 de maio de 2010

Entrevista com Walter Salles para O Globo

Walter Salles diz que não fará de 'On the road' um filme de época e lamenta o conservadorismo atual

André Miranda

Walter Salles, enfim, vai colocar o pé na estrada. Depois de pelo menos cinco anos trabalhando para levar um dos mais importantes livros da contracultura, o clássico "On the road", de Jack Kerouac, para o cinema, o diretor anunciou que as filmagens começam em agosto. Antes mesmo do envolvimento de Salles, o projeto vinha sendo preparado pela produtora American Zoetrope, de Francis Ford Coppola, há 30 anos. Mas nunca saiu do papel.

Salles reverteu todas as dificuldades com uma enorme dedicação. Ele fez uma longa viagem pelos EUA, atrás dos locais e das pessoas citadas por Kerouac em seu livro, e fez dessa pesquisa um documentário, "Em busca de On the Road", ainda inédito. Para a ficção, já estão confirmados no elenco os atores Sam Riley ("Control"), Garrett Hedlund ("Tron - Legacy"), Kristen Stewart ("Crepúsculo") e Kirsten Dunst ("Homem-Aranha"). Em entrevista ao GLOBO, o diretor explicou seu interesse por "On the road".

Por que a demora para que "On the road" seja adaptado para o cinema?

WALTER SALLES: Faz parte da natureza do projeto. Estamos falando, como Coppola bem o definiu, do nascimento da contracultura, e não da adaptação de quadrinhos da Marvel. Por outro lado, tendo a favorecer processos longos de desenvolvimento: foram necessários mais de três anos para "Central do Brasil" se tornar realidade, quatro anos para "Diários de motocicleta" e agora cinco para "On the road". No caso deste filme, havia uma história pregressa que não era muito diferente da de "Diarios...", com tentativas anteriores de tradução do livro para o cinema. Essa espera acabou sendo benéfica ao projeto. Deu mais tempo para conceitualizar o filme, o que é fundamental. E, mais recentemente, saiu a versão original do livro de Kerouac. É muito mais livre, ousada e radical do que a versão que foi editada em 1957 e que sofreu os efeitos da censura da era McCarthy. A versão original do livro deu origem à versão final do roteiro escrito por Jose Rivera. Isso não teria acontecido se tivéssemos filmado há dois anos.

O quanto a experiência em "Diários de motocicleta" vai ajudar na realização de On The Road? Você enxerga as duas histórias como paralelas? São duas viagens que envolvem descobertas. De naturezas diferentes, lógico, mas ainda assim descobertas...

SALLES: Um projeto é de certa forma o prolongamento do outro. "Diários de motocicleta" é um filme sobre o despertar de uma consciência sócio-política, a partir do desvendamento do continente latino-americano, numa viagem de dois jovens em busca do desconhecido. "On the road" é o ponto de partida de um outro tipo de revolução, a revolução comportamental dos anos 50 e 60. É o que o poeta Lawrence Ferlinghetti chama de youth revolt, uma revolta jovem, que acabou afetando profundamente as nossas vidas.

Você pretende de alguma forma atualizar a história ou as referências culturais serão as mesmas de quando Kerouac escreveu o livro?

SALLES: Como em "Diários...", não há a intenção de se fazer um filme de época, como se vê, às vezes, nos cinemas inglês ou norte-americano. O que é fascinante na história é sua modernidade. Aquela época aparecerá nos concertos de jazz, nos encontros à margem da estrada, nos bares onde parecia possível reinventar o mundo. Era uma época em que as pessoas viajavam mil quilômetros para uma boa conversa.

A história de "On the road" pode ter o mesmo efeito nos jovens de hoje como teve nos anos 1950 e 1960? Por exemplo: será que a ideia de ultrapassar os limites, ir além das fronteiras, será que isso tudo ainda teria o mesmo efeito?

SALLES: A viagem aqui é, basicamente, interior. Estamos falando de personagens que tiveram a coragem de se reinventar contra a sua época, contra tudo e contra todos. Em muitos casos, os anos que estamos vivendo são tão conservadores quanto os anos 50. É nisso que essa história é interessante: ela permite entender que, mesmo quando tudo conspira contra, é possível inventar novas formas de nos relacionar com o mundo. Repensar o conceito de família, as relações afetivas, o sexo. Essa qualidade libertária e também transgressora é o que torna a historia tão moderna.

Qual foi sua principal descoberta na pesquisa?

SALLES: Cruzando os Estados Unidos de ponta a ponta nos passos de Kerouac, encontramos não só os personagens do livro que ainda estão vivos, mas também os poetas da sua geração. Acabei percebendo que esses homens e mulheres que tiveram a coragem de abrir essas janelas nos anos 50 e 60 são muito mais jovens do que muitos jovens de hoje em dia.

fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/05/14/walter-salles-diz-que-nao-fara-de-on-the-road-um-filme-de-epoca-lamenta-conservadorismo-atual-916589276.asp

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