quinta-feira, 6 de maio de 2010

On the Road e Jack Kerouak por Eduardo Bueno (tradutor)

Trecho da "longa e turtuosa estrada profética", introdução de Eduardo Bueno para a edição brasileira de On the Road.

Americano de origem franco-canadense, Jack Kerouac nasceu em 12 de março de 1922 em Lowell , Massachusetts. Católico praticante, educado em colégio jesuíta, fixado na figura da mãe, tímido, introspectivo, generoso, gentil, desajustado e angelical.

Até os 6 anos, Jack só falava o joual – o dialeto franco-canadense – e isso talvez explique não apenas sua permanente sensação de rejeição, sua postura marginal, como também sua paixão latina pelas vogais numa terra protestante obcecada pelas consoantes. Antes da consagração de On the Road, Jack fracassara em tudo na vida. E nesse tudo é preciso incluir , além de quase uma dezena de bicos e profissões, os seis livros que escreveu entre 1951 e 1956 sem conseguir ver publicações.

On the Road foi escrito entre 9 a 27 de abril de 1951 num rolo de papel para telex, num total de quarenta metros ininterruptos de prosa em espaço um sem parágrafo, por Kerouac aditivado por doses colossais de benzedrina, datilografando como um alucinado por doze mil palavras, 14 horas por dia.


Jack com o manuscrito original de On The Road

Mas, ao longo dos longos anos em que o original foi sendo recusado por uma editora após a outra, Kerouac o reescreveu inúmeras vezes. Além disso, quando a Viking Press enfim decidiu lançar o livro, forçou Jack a suprimir cerca de 120 páginas. Outas tantas o próprio editor, Malcolm Cowley, se encarregou de cortar. Por isso, sua “prosa instantânea” praticamente inexiste em On the Road, embora tenha se materializado em outros livros, especialmente em Visions of CCody, lançado postumamente.

On the Road, no entanto é o mais lendário, mais famoso, mas talvez não seja o melhor dos 23 livros que Jack Kerouac escreveu em 47 anos de vida.

O posto bem poderia ser ocupado por Visions of Cody, também dedicado a Neal Cassady, o Dean Moriarty de On the Road. Redigido em 1951 e publicado em 1971, Visions of Cody resume a apreende todo o esforço de Kerouac em modular os contornos de sua “prosa instantânea” e remete ao On the Road original, antes de sua submissão às “sugestões “ dos editores.

Jack e Neal Cassady

Em ambos os livros, Kerouac empenhou-se em uma nova prosódia, capturando a sonoridade das ruas, das planícies e das estradas dos EUA, disposto a libertar a literatura noite-americana de determinadas fórmulas europeias. Ao fazê-lo, introduziu um som a prosa - antes e melhor do que qualquer romancista de sua geração.

O livro traz também ressonâncias de Jack London, de Mark Twain, de John dos Passos e acima de tudo de Walt Whitman. Em certo sentido, portanto, Kerouac não estava impondo, nem propondo, uma total inovação , mas a retomada de uma trilha genuinamente americana, já percorrida por autores que ele admirava.

O mais irônico é que ele desenvolveu seu estilo - seu estilo beat por excelência: laudatório, verborrágico, impressionista, vertiginoso, incontido, espontâneo, repleto de sonoridade, de gíria, de coloquialismo e de aliterações, não a partir de fontes literárias clássicas mas com base nas cartas quase iletradas que recebeu de Neal Cassady, o delinquente juvenil que, no capítulo um de On The Road, vem procurar Jack para aprender a “ser escritor”.

Embora seja uma obra de ficção todos os personagens e acontecimentos do livro são reais: Carlos Marx é o poeta Allen Ginsberg, autor de Uivo. Old Bull Lee é Willian Burroughs, autor de The Naked Lunch (almoço nu), Camille é Carolyn Cassady, mulher de Neal, amante de Jack e autora do livro de memórias Off Road.

De todo modo , não seriam Neal Cassady nem Visions of Cody, mas Jack Kerouac e On the Road , o autor e o livro que moveram montanhas. O fôlego narrativo avassalador, o imaginário proto-pop, o frescor libertário , o fluxo ininterrupto de sua avalanche de palavras, imagens, promessas, ofertas, visões e descobertas acabaram por tornar On the road exatamente aquilo que o chavão define como “a bíblia de uma geração”.

On The Road foi a glória e a danação de Jack Kerouak. O livro primeiro misturou-se e em seguida engoliu a figura do autor. A fama tornou-se um fardo para Kerouac, e os estereótipos da geração beat o perturbaram e ofendiam.

No entanto toda uma legião de escritores, artistas, cineastas, dramaturgos e músicos, seria profundamente influenciada pelo estilo e pelas visões de Jack Kerouac.

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